Impermanência

Como praticante recente, ainda não me sinto apta a dar palestras sobre conceitos mas, sendo fiel ao título do blog, discorrerei sobre o tema breve e diletantemente.

Dois dos meus favoritos conceitos do Budismo são "vida humana preciosa" e "impermanência". Hoje a impermanência se mostrou pra mim,  em toda a sua força e dramaticidade. Fui colhida de surpresa com a morte súbita e violenta de uma pessoa que, em cerca de 6 meses de convívio diário, me inspirou admiração, respeito, carinho e camaradagem. Hoje nosso professor, treinador, motivador e camarada foi embora de forma abrupta, deixando tantos alunos, como eu, perplexos.

Isso me traz uma retrospectiva.Meu primeiro contato com a impermanência foi aos 4 anos, quando meu pai morreu repentinamente, aos 36 anos de idade, num dia que até então parecia normal e do qual me lembro detalhes visuais e fáticos com uma riqueza de detalhes que faz alguns duvidarem.Não sei se todas as crianças são assim.

Aos 8 anos de idade , numa viagem com meu avô paterno, lembro da notícia da morte súbita de mãe dele, minha bisa, tb repentinamente. Ela, apesar de já bastante idosa, era muito saudável e autônoma, uma verdadeira força da natureza, e morreu num acidente de trânsito.

Lá pelos meus 12 anos, lá se foi um tio paterno, o bonachão tio Paulo, aos 42, de infarto fulminante quando trabalhava. Recebemos a notícia juntos, eu e meu avô, e de lá fomos pra via crúcis de liberação do corpo em seus detalhes logísticos.Lembro com detalhes do percurso que fizemos e da dificuldade de saber onde se encontravam os outros membros familiares, sobretudo a viúva, num tempo pré-celular. Lembro até hoje de avistar a minha tia à distância, no pátio sombrio e mal cuidado dos fundos do antigo Instituto Médico Legal da Rua Mem de Sá, e de corrermos para um abraço. Do perfume dela, ou melhor, deles...que era um perfume que o casal usava.

Aos 14, mais uma vez no camarote da impermanência dramática, lá estava eu, com o avô materno baleado na rua, indo parar em emergência do Salgado Filho. Eu, pra não variar, acompanhando tudo de perto e me lembrando de detalhes visuais minuciosos, como sempre.

Em suma: não sei como não me tornei budista há mais tempo, a lição de impermanência mega- ultra- hiper- super-extra-full-blaster nunca me faltou.

Dessa vez, tinha voltado de um retiro budista no dia anterior, que foi aproveitado ao máximo de minhas atuais capacidades.E, nesta manhã de segunda, recebi a notícia do ocorrido, me impactei e assisti o impacto nas demais pessoas.

Viver pode ser dramático. E geralmente é. As pessoas podem fingir normalidade, pintar as unhas de azul para distrair, comer pipoca vendo filme....ir à praia....mas enfrentar a inevitáveis insconstância e incerteza inerentes à nossa condição, sinceramente, é tarefa para fortes.No entanto, não temos a opção de não enfrentar.Temos "apenas"a opção de como iremos nos preparar para isso. Para a morte. Para as reviravoltas. Para as surpresas. Para os dissabores. Para as despedidas. Para os términos. Para as mudanças.Para os fins e para as pausas.Para os suspenses. Também para as alegrias, para as superações, para as boas surpresas.

Isso me lembra que o conceito de impermanência também foi abordado, de forma magistral, fora desta tradição, no conto a seguir, de Malba Tahan:


Era uma vez um rei que disse aos sábios da corte:
_ Estou fabricando um precioso anel. Adquiri um dos melhores diamantes possíveis. Quero esconder dentro do anel uma mensagem que possa me ajudar em momentos de desespero total e que ajude meus herdeiros e os herdeiros de meus herdeiros para sempre. Tem que ser uma mensagem pequena, que caiba debaixo do diamante do anel.
Todos que escutaram eram sábios, eruditos, que poderiam escrever grandes tratados, mas, uma mensagem com não mais de duas ou três palavras que pudessem ajudar em momentos difíceis…
Eles pensaram, procuraram em livros, mas não puderam achar nada.
O rei tinha um velho criado que também tinha sido criado de seu pai. A mãe do rei morreu cedo e este criado havia cuidado dele, então era tratado como se fosse da família. O rei sentia um imenso respeito pelo velho homem, de forma que também o consultou. E este lhe falou:
_ Não sou sábio, nem erudito, nem um acadêmico, mas conheço uma mensagem. Durante minha vida no palácio, conheci todos os tipos de pessoas e, em uma ocasião, conheci um místico. Era convidado de seu pai e estava a seu serviço. Quando, com gesto de agradecimento deu-me esta mensagem, o velho homem escreveu em um pequeno papel, dobrou e entregou ao rei. _ “Mas não leia.” – disse ele – “Mantenha-o escondido no anel, somente abra quando não tiver outra saída”.
Esse momento não tardou a chegar. O seu Reino foi invadido e o rei perdeu a batalha. Estava escapando em seu cavalo e seus inimigos o perseguiam. Estava só, e seus perseguidores eram muitos. Chegou em um lugar onde o caminho havia acabado, totalmente sem saída. Na frente havia um precipício com um vale profundo, cair seria o fim. Não podia voltar, porque o inimigo havia fechado o caminho. Já se podia ouvir o barulho dos cavalos. Não podia continuar e não havia outro caminho.
De repente lembrou-se do anel. Abriu-o, tirou o papel e lá encontrou a mensagem pequena, tremendamente valiosa, que, simplesmente, dizia:
“Isto também passará”.
Enquanto lia a mensagem, sentia que caía sobre ele um silêncio. Os inimigos que o perseguiam deveriam ter se perdido na floresta ou se enganado de caminho. O certo é que pouco a pouco deixou de escutar os cavalos.
O rei sentia-se profundamente grato ao criado e ao místico desconhecido. Aquelas palavras eram milagrosas. Dobrou o papel, pôs novamente no anel, juntou seus exércitos e reconquistou o Reino.
No dia em que entrou novamente vitorioso no palácio, tinha uma grande celebração, com músicas, danças… e ele sentia muito orgulho de si mesmo.
O velho criado estava ao seu lado na carruagem e falou:
_ Este momento também é adequado, olhe novamente para a mensagem.
_ Por quê? Agora eu sou vitorioso, as pessoas celebram minha volta, eu não estou desesperado, não estou em uma situação sem saída.
_ Escute-me – disse o velho criado – “Esta mensagem não é só para situações desesperadoras, mas também prazerosas. Não é só para quando estiver derrotado, mas para quando estiver vitorioso. Não só para quando for o último, mas para quando for o primeiro”.
O rei abriu o anel e leu a mensagem:
“Isto também passará”.
Novamente sentia a mesma coisa, o mesmo silêncio em meio a multidão que celebrava e dançava, mas o orgulho e o ego haviam desaparecido. O rei pôde compreender a mensagem. Tinha sido iluminado.
Então o velho homem falou:
_ Recorda-se de tudo o que você passou? Nenhuma coisa ou emoção é permanente. Como o dia e a noite, há momentos de felicidades e momentos de tristezas. Aceite-os como parte natural das coisas, porque eles fazem parte da natureza de sua vida.
Malba Tahan



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